30 novembro 2013

Psicologia das Multidões

Notas extraídas do livro "Psicologia das multidões", de Gustave Le Bon, cuja primeira edição foi publicada em 1895.

Ideia central: a ação inconsciente das multidões substitui a atividade consciente dos indivíduos.

INTRODUÇÃO

O conhecimento da psicologia das multidões é o elemento-chave para os homens de Estado, que têm a incumbência de conduzir as pessoas para a obtenção do bem comum

As multidões, pouco aptas ao raciocínio, mostram-se soberanas à ação. O direito divino das multidões substitui o direito divino dos reis.

Dada sua característica de ser não pensante, a multidão presta-se mais à destruição.

PRIMEIRO LIVRO — ALMA DAS MULTIDÕES

CAPÍTULO I — CARACTERÍSTICAS GERAIS DAS MULTIDÕES
LEI PSICOLÓGICA DE SUA UNIDADE MENTAL

Em sentido comum, a palavra multidão representa uma reunião de indivíduos quaisquer, independentemente de sua nacionalidade, sua profissão ou seu sexo, independentemente também dos acasos que os aproximam.

Do ponto de vista psicológico, a expressão multidão adquire um significado específico: o grupo possui características distintas do indivíduo (isolado). A personalidade consciente desaparece e forma a alma coletiva. A coletividade torna-se uma multidão psicológica. Ela forma um único ser e encontra-se submetida à lei da unidade mental das multidões.

A organização de uma multidão forma-se sobre o fundo invariável e dominante da raça, sobrepõem-se algumas características novas e específicas que provocam a orientação de todos os sentimentos e pensamentos da coletividade numa direção idêntica. 

É fácil constatar que o indivíduo na multidão difere do indivíduo isolado. Mas quais são as causas?

Causas que determinam o surgimento das características específicas das multidões: 

1ª) O indivíduo na multidão adquire, exclusivamente por causa do número, um sentimento de poder invencível que lhe permite ceder a instintos que, sozinho, teria forçosamente refreado.

2ª) Contágio mental associado ao efeito hipnótico. Na multidão, todo sentimento, todo ato é contagioso, e contagioso no sentido de sacrificar o seu interesse pessoal ao interesse coletivo.

3ª) É a mais importante das causas, pois determina nos indivíduos na multidão características específicas às vezes muito opostas às do indivíduo isolado. 

Um exemplo: o estado de fascinação do hipnotizado nas mãos do seu hipnotizador. 

Lembrete: a multidão é sempre intelectualmente inferior ao homem isolado. Contudo, pode praticar atos comuns ou atos heroicos. 

CAPÍTULO I — SENTIMENTOS E MORALIDADE DAS MULTIDÕES

A impulsividade, a irritabilidade, a incapacidade de raciocinar, a ausência de julgamento e de espírito crítico — características específicas das multidões — são igualmente observáveis entre seres que pertencem a formas inferiores de evolução, como o selvagem e a criança

1. Impulsividade, instabilidade e irritabilidade das multidões 

A multidão é conduzida quase exclusivamente pelo inconsciente. Nesse sentido, o indivíduo isolado possui a capacidade de dominar seus reflexos, enquanto a multidão está desprovida dela. 

Nada na multidão pode ser premeditado. São capazes de percorrer, sob influências, os mais variados sentimentos.

Para o indivíduo na multidão, a noção de impossibilidade desaparece. Sozinho, não pode incendiar um prédio; uma multidão, sim. 

2. Sugestionabilidade e credulidade das multidões 

Nos seres sugestionáveis, a ideia fixa tende a se transformar em ato. Em consequência do contágio, as deformações são de mesma natureza e têm o mesmo sentido para todos os indivíduos da coletividade.  

A multidão não precisa ser numerosa: a faculdade de observação e o espírito crítico que cada um deles possui desaparecem. 

3. Exagero e simplismo dos sentimentos das multidões 

O indivíduo em multidão aproxima-se dos seres primitivos. Insensível às nuances, vê todas as coisas em bloco e não conhece as transições. 

Na multidão, o exagero de um sentimento é fortalecido pelo fato de que, propagando-se muito rapidamente mediante sugestão e contágio, a aprovação de que se torna objeto aumenta sua força consideravelmente.  

4. Intolerância, autoritarismo e conservadorismo das multidões

Como as multidões só conhecem sentimentos simples e extremos, as opiniões, ideias e crenças que lhes são sugeridas são aceitas ou rejeitadas em bloco e consideradas como verdades absolutas ou erros não menos absolutos. 

Nas reuniões públicas, a mais ligeira contradição de um orador é imediatamente recebida com gritos de furor e violentas invectivas, logo seguidas de vias de fato e expulsão, desde que o orador insista. 

5. Moralidade das multidões

Se a multidão é capaz de assassinar, incendiar e de praticar toda espécie de crimes, também o é de atos de sacrifício e de desinteresse muito mais elevados que aqueles de que é capaz o indivíduo isolado. 

Se a abnegação, a resignação, a dedicação absoluta a um ideal quimérico ou real são virtudes morais, pode-se dizer que as multidões possuem às vezes essas virtudes em um grau que os mais sábios filósofos raramente atingiram. 

CAPÍTULO III — IDEIAS, RACIOCÍNIOS E IMAGINAÇÃO DAS MULTIDÕES

1. As ideias das multidões

As ideias das multidões podem ser divididas em duas classes: 1) acidentais e passageiras; 2) ideias passageiras.

As ideias fundamentais poderiam ser representadas pelo volume das águas de um rio que desce lentamente seu curso; as ideias passageiras, pelas marolas sempre inconstantes que agitam sua superfície e que, apesar de não terem importância real, são mais visíveis que o correr do próprio rio.

As ideias, para se tornarem popular, têm de sofrer as mais completas transformações: elas têm que ser sempre redutoras e simplificadoras

Lembremo-nos de que as ideias filosóficas que culminaram na Revolução Francesa levaram muito tempo para se implantar na alma popular. Sendo, assim, as multidões estão sempre várias gerações atrás dos sábios e dos filósofos. 

2. Os raciocínios das multidões

Os raciocínios das multidões, como os raciocínios elevados, baseiam-se nas associações, mas de modo mais fraco. Encadeiam-se à maneira das de um esquimó, o qual, sabendo por experiência que o gelo, corpo transparente, derrete na boca, conclui que o vidro, corpo igualmente transparente, também deve derreter na boca.

Um encadeamento de raciocínios rigorosos seria totalmente incompreensível para as multidões. 

Os juízos que aceitam são apenas juízos impostos, nunca juízos discutidos. 

3. A imaginação das multidões

A imaginação representativa das multidões, como a de todos os seres para os quais o raciocínio não intervém, pode ser profundamente impressionada. 

Na história, a aparência sempre teve um papel muito mais importante que a realidade. Nela, o irreal predomina sobre o real. 

Pão e circo constituíam outrora o ideal de felicidade para a plebe romana. É conhecida a história daquele teatro popular dramático obrigado a proteger na saída o ator que fazia o papel de vilão, para livrá-lo da violência dos espectadores indignados com seus crimes imaginários. 

Conhecer a arte de impressionar a imaginação das multidões é conhecer a arte de governá-las. 

CAPÍTULO IV — FORMAS RELIGIOSAS DE QUE SE REVESTEM TODAS AS CONVICÇÕES DAS MULTIDÕES

Esse sentimento tem características muito simples: adoração de um ser supostamente superior, temor do poder a ele atribuído, submissão cega a suas ordens, impossibilidade de discutir seus dogmas, desejo de difundi-los, tendência a considerar inimigos todos os que se recusam a admiti-los.

A intolerância e o fanatismo são o acompanhamento ordinário de um sentimento religioso. 

Se fosse possível fazer as multidões aceitarem o ateísmo, ele teria todo o ardor intolerante de um sentimento religioso e, em suas manifestações exteriores, tornar-se-ia rapidamente um culto. 

SEGUNDO LIVRO — AS OPINIÕES E CRENÇAS DAS MULTIDÕES

CAPÍTULO I — FATORES LONGÍNQUOS DAS CRENÇAS E OPINIÕES DA MULTIDÕES

As opiniões e crenças nascem e se estabelecem segundo duas ordens: fatores longínquos e fatores imediatos.

Os fatores longínquos tornam as multidões capazes de adotar algumas convicções e inaptas para se deixar penetrar por outras. Os fatores imediatos são aqueles que, sobrepostos a esse longo trabalho, sem o qual não poderiam agir, provocam a persuasão ativa das multidões. 

1. Raça

O meio, as circunstâncias e os acontecimentos representam as sugestões sociais do momento. Podem exercer uma ação importante, mas sempre momentânea se for contrária às sugestões da raça, isto é, de toda a série dos ancestrais. 

2. As tradições

As tradições representam as ideias, as necessidades, os sentimentos do passado. São a síntese da raça e se impõem com todo o seu peso sobre nós. 

3. O tempo

Dele dependem as grandes forças, tais como a raça, que sem ele não podem se formar. Faz todas as crenças evoluírem e morrerem. Através dele adquirem seu poder e também através dele perdem-no. 

CAPÍTULO II — FATORES IMEDIATOS DAS OPINIÕES DAS MULTIDÕES

As multidões são um pouco como a esfinge da antiga fábula: é preciso saber resolver o problemas que a psicologia delas nos apresenta ou se resignar a ser devorado por elas. 

1. As imagens, as palavras e as fórmulas

A multidão é influenciada pelas imagens. Quando não se têm essas imagens, pode-se evocá-las pelas palavras e fórmulas. Observe os termos vagos como democracia, socialismo, igualdade. Estas breves sílabas estão ligadas a um poder mágico, solução de todos os problemas. 

As palavras de uma língua mudam vagarosamente; mas as imagens que evocam ou o sentido a elas atribuído mudam incessantemente. 

2. As ilusões 

O grande fator de evolução dos povos nunca foi a verdade, mas o erro. E se hoje o socialismo vê seu poder crescer, é porque ainda constitui a única ilusão viva. Quem sabe iludi-las torna-se seu mestre; quem tentar desiludi-las é sempre sua vítima. 

3. A experiência

A experiência é praticamente o único procedimento eficaz para estabelecer solidamente uma verdade na alma das multidões e destruir ilusões que se tornaram perigosas demais. 

4. A razão

Coloca-se aqui pelo valor negativo de sua influência. Os oradores que sabem impressioná-las apelam aos seus sentimentos e nunca à sua razão. 

CAPÍTULO II — OS CONDUTORES DAS MULTIDÕES E SEUS MEIOS DE PERSUASÃO

1. Os condutores das multidões 

Há necessidade da figura do líder. Sua vontade (do líder) é o núcleo em torno do qual se formam e se identificam as opiniões. Geralmente, o condutor foi anteriormente um conduzido, hipnotizado pela ideia da qual em seguida se tornou apóstolo. Robespierre, por exemplo, foi hipnotizado por suas ideias quiméricas e empregando os procedimentos da Inquisição para propagá-las. 

A fé pode tornar o homem escravo absoluto de seu sonho. 

2. Os meios de ação dos líderes: a afirmação, a repetição, o contágio

Para arrastar multidões a um propósito qualquer, é preciso agir sobre ela por meio de sugestões rápidas. 

Afirmação. Deve ser concisa, desprovida de provas e de demonstração. Assim, mais autoridade terá. 

Repetição. Napoleão dizia que existe apenas uma única importante figura de retórica, a repetição. Pela repetição, a coisa afirmada chega a se estabelecer nos espíritos a ponto de se aceitar como uma verdade demonstrada.

Contágio. Depois de uma afirmação ser repetida há, ainda, a necessidade do contágio. Nas multidões, as ideias, os sentimentos, as emoções, as crenças possuem um poder de contágio tão intenso quanto o dos micróbios. 

3. O prestígio

Se as opiniões propagadas pela afirmação, a repetição e o contagio são muito potentes é porque acabam adquirindo o misterioso poder denominado prestígio. 

prestígio é uma espécie de fascínio que um indivíduo, uma obra ou uma doutrina exerce sobre nosso espírito.

Pascal notou, com razão, a necessidade que os juízes têm das togas e das perucas. Sem elas perderiam grande parte de sua autoridade.

TERCEIRO LIVRO — CLASSIFICAÇÃO E DESCRIÇÃO DAS DIVERSAS CATEGORIAS DE MULTIDÕES

CAPÍTULO I — CLASSIFICAÇÃO DAS MULTIDÕES

Neste capítulo procura separar dois tipos de multidões: heterogêneas e homogêneas. Quanto às heterogêneas, divide-as em anônimas (multidões das ruas, por exemplo) e não anônimas (júris, assembleias parlamentares etc.). Em se tratando das homogêneas, divide-as em seitas (seitas políticas, seitas religiosas etc.), castas (casta militar, casta sacerdotal, casta operária etc.) e classes (classe burguesa, classe camponesa etc.) 

CAPÍTULO II — AS MULTIDÕES DITAS CRIMINOSAS

Os crimes das multidões geralmente decorrem de uma poderosa sugestão, e os indivíduos que deles tomam parte convencem-se em seguida de ter cumprido um dever.

CAPÍTULO III — OS JURADOS DO TRIBUNAL DE JÚRI

Os jurados proporcionam, em primeiro lugar, uma prova da pouca importância que tem, do ponto de vista das decisões, o nível mental dos diversos indivíduos que compõem a multidão. 

CAPÍTULO IV — AS MULTIDÕES ELEITORAIS

A primeira qualidade que o candidato deve possuir é o prestígio. O prestígio pessoal só pode ser substituído pelo da fortuna. O talento, o próprio gênio não são elementos de sucesso. 

A multidão eleitoral: fraca aptidão para o raciocínio, ausência de espírito crítico, irritabilidade, credulidade e simplismo. 

O eleitor quer que adulem suas ambições e vaidades.

CAPÍTULO V — AS ASSEMBLEIAS PARLAMENTARES

Encontramos nas assembleias parlamentares as características gerais das multidões: simplismo das ideias, irritabilidade, sugestionabilidade, exagero dos sentimentos, influência preponderante dos líderes.

 


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