27 fevereiro 2009

Do Fato à Teoria

O ser humano, em face da variedade dos fatos, viu-se obrigado a dar-lhes uma ordem, um nexo, uma explicação. Para tanto, precisou relacionar, abstrair, comparar e analisar.

Fato. O fato não se define, intui-se. A palavra fato vem do latim factum, que significa feito, ato, coisa ou ação feita, acontecimento. O fato é aquilo que se nos apresenta aqui e agora. Um homem está estendido no chão. Eis o fato. Deste fato, emergem muitas teorias, muitas explicações. Foi assassinado? Caiu do andaime? Desmaiou? Para cada pergunta, a teoria subjacente.

Relação. Etimologicamente, o termo relação vem do verbo fero, cujo particípio passado dá latum (fero, tulo, latum, ferre). A partícula re em latim tem o sentido de movimento, de volta, de retrocesso, de repetição também. Re-latus, indicaria, o relato, fazer uma relação, narrar alguma coisa. Relatio é a relação, o que se relata, a narrativa. Relação é o pôr-se ou o estar de uma coisa levada a outra, ou que está em face de outra.

Todas as coisas estão em relação umas com as outras. Algumas se relacionam acidentalmente, enquanto outras essencialmente. Observe a relação entre professor e aluno. Quando o professor marca o aluno com um sinal positivo, este o acompanha pelo resto de sua vida. Lembremo-nos de algumas entrevistas de pessoas ilustres. Em suas respostas, sempre enaltecem os ensinamentos e os exemplos morais de seus primeiros professores.

Comparação. Quando nos relacionamos, pomo-nos um em par do outro, emparelhando-nos. Esse emparelhamento permite-nos fazer uma com-par-açao, uma comparação. Em verdade, todas as coisas estão em par das outras, mas a ação de realizar a comparação exige um ser inteligente, que capte as semelhanças e as diferenças Captar as diferenças e semelhanças dos fatos, das relações, é a função da razão. A razão, por seu turno, vem do livro de contabilidade, chamado razão, no qual se generalizam e se classificam os títulos.

Abstração. Ao lado do saber empírico, há o saber discursivo, especulativo. Abstração vem do latim abs...trahere, que significa pôr de lado. A palavra concreto significa o que cresce junto. Abstrair é separar mentalmente o que cresce junto. Suponha que queiramos estudar uma determinada árvore. Ela está num campo, rodeada de outras árvores, terra e de seres humanos. Para entendê-la, temos de separá-la mentalmente de tudo o mais. Depois, teremos de devolvê-la ao seu habitat.

Teoria. A teoria tem a raiz grega Theos, que significa Deus, aquele que vê. Teoria quer dizer visão. E como os gregos, quando iam às suas festas religiosas, faziam longas filas, e podiam ser vistas à distância, ou seja, ter delas uma visão, deram-lhe o nome de theoria. As filas tinham também um nexo, tendiam para os templos. Daí, a teoria ser um conjunto de raciocínios, que dão nexo, fundados em fatos ou suposições.

A Filosofia é um saber especulativo, teórico, separado do saber empírico. É um saber que se basta a si mesmo, por isso desinteressado, teórico.

Fonte de Consulta

SANTOS, M. F. dos. Convite à Filosofia e à História da Filosofia. 6.ed., São Paulo: Logos, s.d.p.

 


14 fevereiro 2009

Formação do Caráter

A filosofia difere da ciência. A ciência preocupa-se com os dados da realidade física; a filosofia, com o todo da vida. Em se tratando do corpo humano, a ciência se interessa pelas explicações do funcionamento do coração, do pulmão, do rim, do cérebro. A filosofia, pelo seu turno, vê o corpo como um instrumento do espírito. É por intermédio dele que o espírito se faz sentir, pensar, confabular.

A filosofia é uma busca desinteressada do saber. É, também, a tensão pela reforma do caráter, pela correção do intelecto. Não diz respeito somente à invenção de um sistema filosófico, mas essencialmente à reformulação da atitude e do comportamento. Não é tarefa fácil mudarmos a nossa conduta, porque os nossos hábitos foram, ao longo do tempo, automatizados em nosso subconsciente. De qualquer maneira, sempre é tempo de verificarmos a nossa reação frente à conduta dos outros e a reação deles frente à nossa.

A filosofia é uma busca da serenidade do espírito. Serenidade não significa inação, mas um trabalho árduo na construção do saber. Para tanto, deveríamos renunciar à tagarelice e ao desejo de sermos importantes. É muito mais produtivo, para a nossa formação moral e intelectual, aplicarmos os nossos recursos pessoais no aperfeiçoamento de nossa personalidade e do nosso caráter. O que ganhamos rendendo culto às celebridades? Por quê buscarmos o mundo todo e perdermos a nossa alma?

A mudança de comportamento não é questão de forma, mas de fundo. Precisamos penetrar na sua essência. A observação de um terceiro pode nos levantar ou nos rebaixar. Depende do fluxo energético do seu discurso. Para a formação de nosso caráter, é útil, vez ou outra, refletirmos sobre o tipo de reação que estamos passando ao próximo. Como os outros se sentem ao meu lado? Expando otimismo ou pessimismo? Por que este se desvia de mim? Por que aquele me despreza?

Tudo, antes de se transformar em ato, teve de passar pelo pensamento. A nossa ação deve estar em conformidade com o nosso modo de ser, de pensar. Nada nos ocorre por acaso. Desta forma, tudo deve ser analisado em termos da lei de ação e reação. A serenidade de nossa alma imortal requer cuidados, cuidados para não nos deixarmos impressionar mais do que o necessário pelo pensamento alheio, pelo noticiário, pela opinião. "Se Deus é por nós, quem será contra nós?"

O objetivo central da filosofia é a totalidade da vida. A vida requer vivência. A vivência plena é um exercício ininterrupto de formação de caráter.