Aristóteles, em Ética a Nicômaco, II, 6, diz que a virtude é
a disposição adquirida voluntária, em relação a nós, na medida, definida pela
razão em conformidade com a conduta de um homem ponderado. Ela ocupa a média
entre duas extremidades lastimáveis, uma por excesso, a outra por falta.
Enfatiza, também, que, embora consista numa média, em relação ao bem e à
perfeição ela se situa no ponto mais elevado. Como pode a virtude ser ao mesmo
tempo média e ápice?
Para entender corretamente o texto filosófico, devemos localizar os
termos mais importantes, e suas noções. Assim, virtude (arétè)
designa toda excelência própria de uma coisa, em todas as ordens de realidade e
em todos os domínios. Aristóteles a emprega assim, embora lhe acrescente o
valor moral. Disposição (héxis) é definida como uma
maneira de ser adquirida. O latim traduziu héxis por habitus.
A virtude só será habitus se se retirar desse termo o caráter
de disposição permanente e costumeira, mecânica, automática. Mediedade (mésotès):
este termo remete tanto ao termo médio de um silogismo quanto à média (ou ao
meio termo) que caracteriza a virtude.
Como, pois, entender que virtude é média e ápice? Aristóteles parte de
um conceito geral e delimita-o depois. Diz, primeiramente, que a virtude é agir
de forma deliberada; depois, fala em agir em prol do mais alto bem. Ao falar
dela como héxis, enfatiza uma capacidade adquirida, constante e
duradoura, o que elimina a pretensa qualidade inata. Assim, ao se comportar
moralmente, o homem deve também se comportar racionalmente, ou seja, uma razão
que já passou pela prova dos fatos; a mediedade, diz ele, é a que o homem
prudente determinaria. E determinaria em função dos homens superiores a ele.
Por isso é oportuno aconselhá-los a imitarem os melhores.
A mediedade opõe-se a dois vícios simétricos. Como
estamos no campo da moral, o que vale não são as idéias, mas a prática dessas
idéias. Perguntaríamos: quais são essas práticas que não são virtudes? Os
vícios. Explicação: a natureza moral jamais é natural, e sim o resultado de uma
maneira de ser adquirida – para mais ou para menos –, o que representa sempre
um excesso. Por exemplo, a coragem é virtude delimitada por essa falta que é a
covardia e esse excesso que é a temeridade. A virtude revela-se portanto como
um meio termo.
A virtude não é média, ela é a média justa. Saímos do âmbito
quantitativo onde tudo é colocado no mesmo plano e passemos ao âmbito
qualitativo. Observe que tanto nas paixões como nas ações, há condutas que
estão abaixo ou acima do que convém. A virtude não é assim uma média aritmética
dos excessos para mais ou para menos, ela é o vértice de eminência,
ou seja, é ela quem diz qual é o vício para cima ou para baixo. O óbolo da
viúva, de que nos lembra o Evangelho, vem a calhar: a viúva que deu apenas uma
moeda, deu mais do que o rico, pois enquanto este deu o que lhe sobrava, para
ela a quantia representava uma privação.
Esta reflexão sobre a virtude em Aristóteles serviu-nos para melhor
apreciar os termos que usamos constantemente. Devemos, assim, lembrar que a
virtude é sempre uma disposição a ser adquirida na prática do bem. Ou seja, há
sempre algo a melhorar.
Fonte de Consulta
FOLSCHEID, Dominique e WUNENBURGER,
Jean-Jacques. Metodologia Filosófica. Tradução de Paulo
Neves. 2. ed., São Paulo: Martins Fontes, 2002. (Ferramentas)
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